Ponto de Vista - Alexandre Barbosa

Cargo atual: editor-assistente de tecnologia do portal do Estadão
Breve histórico profissional: Trabalhou no jornal DCI e nas revistas Internet Business e PCs. Também foi assessor de imprensa na S2 e na Publicom, atendendo a clientes da área de tecnologia. Já colaborou com diversas revistas como Vida Executiva, Info Corporate, Info Exame, Linux Magazine e Home Theater. Já assinou coluna de tecnologia no Jornal do Brasil.
1) Você já teve várias experiências em jornalismo. Já esteve em redação, em assessoria, etc? Como analisa o mercado de jornalismo hoje?
Já estive em redação, em assessoria, em redação de novo, em assessoria (rs...)... O mercado de jornalismo já teve um momento muito bom, e deve ter sido antes de eu começar a trabalhar como repórter. Mas falando sério, as seqüências de crises depois de 2000-2001 foram terríveis para a nossa área. Inclua na lista as crises cambiais, que elevaram os custos das empresas, uma vez que papel e insumos eletrônicos são cotados em dólar, o esvaziamento da bolha pontocom, que levou por água abaixo uma fonte farta de receita publicitária, a crise da Rússia e depois a da Argentina, que contaminou o risco Brasil e fez todo mundo segurar os investimentos até segunda ordem (e anúncios publicitários portanto), e teremos um quadro de “tempestade perfeita” para o jornalismo. Junte a isso que a maior parte dos grandes grupos de comunicação (Ed. Abril, Globo, etc.) investiram os tubos (sempre seguindo os “çábios” conselhos das Big Five) em licenças de telefonia e TV a cabo, num ralo que representa uma dívida na casa dos bilhões de dólares e teremos uma situação de: emprego formal de jornalistas residual, com salários arrochados, exceto para quem é do andar de cima ou as estrelas de TV e rádio, muita colaboração de freelancers carregando veículos tradicionalíssimos nas costas (frila trabalha em casa, absorve custos de transporte e telefone na apuração, não usa água, elevador, banheiro, pulso telefônico nem conexão à internet do “empregador”) e muitos profissionais bons, mas que não conseguiram se recolocar lotando as assessorias de imprensa. Bem que a minha mãe falou para eu prestar aquele concurso no Banco do Brasil.... Mãe tem sempre razão.
2) Lançou um livro recentemente, fale um pouco sobre a experiência de escrevê-lo e do que trata a obra.
O livro fala sobre o futuro da Internet. Chama-se “Cuidado: a internet está viva” e foi publicado pela editora Mostarda (www.editoramostarda.com.br) , com foco em tratar temas contemporâneos. Todos os livros foram escritos por jornalistas e a idéia é aproximar o público estudantil ou leigo destes temas. Escrever o livro foi muito legal, embora trabalhoso. Pude aproveitar os contatos e anos de experiência na área de tecnologia para compor os cenários possíveis do que será a web. Não é um livro para os “iniciados”, mas com certeza o público em geral poderá pensar sobre temas como o futuro da banda larga e da diversão digital. Recomendo principalmente para os cônjuges, parentes, amigos e vizinhos de jornalistas de tecnologia. Quem sabe assim eles entendem um pouco melhor porque é que “seus” fazem para ganhar a vida.
3) A partir de que momento você percebeu que teria de viver só de frilas? Foi uma decisão sua ou por força do setor com empregos minguados?
Bom, no último mês comecei a trabalhar no portal do Estadão, mas dessa última vez foram dois anos frilando. Eu parti para essa fase de frilas depois de um ano trabalhando em assessoria. Meu problema é que fiquei frustrado com aquela experiência como assessor. Mas é mais por vaidade intelectual. É que eu queria muito ser repórter, trabalhar em redação. Como não desse certo, não pintasse vaga, fui batalhar um serviço atrás do outro, torcendo por uma oportunidade de trabalho que surgisse de uma hora para outra. Nesse período concorri a umas duas ou três vagas, sem sucesso.
4) Quanto tempo ficou trabalhando só com frilas e como foi a experiência?
Foram dois anos. Foi uma seqüência de altos e baixos. Tinha hora em que era bacana e outros momentos péssimos.
5) O que vale a pena e o que não vale a pena quando se vive de frilas?
A única coisa que vale a pena é a liberdade de, às vezes, recusar um serviço que você não quer ou não precisa, mas essa liberdade é relativa e muito, muito limitada, quando não é algo que se conquista com muito suor. Se o frila for muito descolado, tiver bastante contato, pode conseguir ter uma boa renda, superior a de muito cara bom em cargos médios e até acima nas melhores redações. Só não sei se vale tanto a pena. Veja, quem emprega não tem o menor compromisso com você. Tem mês que tem matéria, tem mês que não tem. O editor, que é um profissional que lida com suas próprias idiossincrasias e necessidades, tem que usar o frila, que não passa de recurso humano alocável, “on-demand”, de acordo com os recursos do veículo onde trabalha. Ora, o galho do frila é que ele tem contas todo mês, ele come todo mês.
6) Recomendaria isso para outros profissionais?
A vida de frila? Recomendo para quem tem sanha de escrever e não vê nem sobra de uma vaga em redação. É um caminho para fazer os contatos, sedimentar relações que possam abrir portas no futuro. E, claro, para quem quer fazer coisas novas ou diferentes, mas só recomendaria se a pessoa tiver um companheiro/a que ajude a compor a renda mensal, se tiver alguém que segure a onda, porque a irregularidade na “balança comercial” é enorme.
7) Quais os principais cuidados que se deve tomar quando o profissional vive de frilas?
A primeira, e mais importante, é com a conta bancária. O frila tem que ter um gerenciamento financeiro de economia de guerra. E não vem me dizer que não dá pra fazer isso porque, frilando, eu consegui juntar grana para trocar de carro ano passado e tal. O lance é fazer uma economia espartana, coisa de uns dois, três meses. Tem que ter uns três meses de $$ na conta, como uma reserva de segurança. Não é fácil de fazer, mas dá. É só apertar o cinto por um tempo. Com isso, você ganha segurança de poder selecionar melhor os trabalhos que vai fazer, se arriscando menos. Outro mandamento sagrado do frila é: fuja do cartão de crédito e cheque especial.
8) E como é a relação de um frila com as assessorias? É bem tratado ou geralmente esquecido? Os veículos para os quais você presta serviços determinam o tratamento dado pelas assessorias?
Os veículos para quem escrevi como Frila tem sua conduta no relacionamento com as assessorias. Normalmente isso se estende a nós, nessa categoria diáfana chamada “colaboradores”. Sabe, isso me lembra que ser frila é ter todas as obrigações de um cara que é contratado (prazo, assertividade, etc.) sem nenhuma das vantagens. Várias vezes me peguei “vendendo o peixe” de uma revista para a qual escrevia e nunca tive esse esforço reconhecido/recompensado. Uma grande editora para quem escrevi tem uma política de restrição a viagens, por exemplo, o que te obrigava a declinar de convites para eventos em outras cidades ou fora do país. Já o relacionamento com as assessorias é muito bom. As boas agências perceberam que o frila é um canal de relacionamento precioso no jogo da comunicação, uma vez que, pressionados no ambiente carregado das redações, o profissional contratado nem sempre era amigável ao contato de uma simples venda de pauta. Aliás, colegas de redação todos, RELAXEM a little bit com os assessores, ok?
Isso é principalmente importante para quem nunca esteve do outro lado do balcão e tem uma imagem distorcida dos colegas. Recomendo leitura de artigo publicado anteriormente neste espaço. Voltando, as assessorias tratam os frilas em pé de igualdade na maior parte das vezes, convidando para eventos e coletivas, mandando material, usando nossos canais de relacionamento para propor testes e reviews de produtos, etc. É claro que as agências também não fazem isso por altruísmo. Elas perceberam que o cenário de crise que se abateu sobre a área criou um novo circuito de relações. SE o frila pode ajudar no trabalho delas, então ele passa a ser incluído nas estratégias de relacionamento.
9) Hoje você está na Agência Estado. Se pintasse uma proposta para assessoria você voltaria ou estudaria?
Na verdade no portal do Estadão, cuidando do canal de tecnologia. Para assessoria de imprensa? Follow-up, organizar coletivas, vender pautas para colegas de redação de mau humor, trabalhar e trabalhar sem ter a menor certeza de que o seu trabalho rende frutos, uma vez que emplacar a pauta depende de inúmeros fatores aleatórios? Olha, só se eu, sei lá, virar pai e precisar muito da grana, porque eu não sei se tenho mais estrutura para as exigências do mercado de assessoria. Diga-se de passagem, do que eu vejo de amigos/as e colegas/os que militam em assessorias, acho que todos merecem medalhas pelo que fazem. Fazer assessoria hoje é muitas vezes pior do que quando eu fiz em 2003, na Publicom, ou entre 1997 e 2000, na S2.
10) Como você vê, no futuro, o relacionamento entre imprensa e assessoria?
Acho que entre mortos e feridos, o relacionamento tende a se estabilizar e ser bom para as duas partes. Mas acho que isso ainda leva tempo. Os veículos precisam se reestruturar, remontando suas equipes de repórteres, absorvendo parte da mão de obra que frila e internalizando um pouco da inteligência que anda dispersa como mão de obra alocável no mercado. Acho também que dá pra queimar etapas. É preciso ter mais exigência de parte a parte. Assessor de imprensa que erra português, não dá. Sugestão de pauta furada ou inadequada para o veículo também não dá. Assessor que diz que lê seu veículo e entende o perfil do seu público e que você saca na cara que nunca leu sua revista ou entrou no seu site, não dá. Repórter que se acha dono da verdade, também não dá. Repórter que entende que liberdade para criticar é o mesmo que meter boca, não dá. Arrogância de parte a parte, não dá. Ignorância de parte a parte, não dá. De resto, não tem segredo: se todos fizerem bem a lição de casa, todo mundo sai ganhando.
Leia também as outras entrevistas:
Anna Lucia França, diretora da Fonte da Notícia
Cibelle Bouças, repórter do Valor Econômico
Fábio Barros, sócio e gerente de imprensa da Comuni Marketing
Marcadores: entrevista
4 Comments:
muito boa esta entrevista. o Alexandre realmente entende e sabe retratar muito bem os três lados: assessoria, jornalista contratado e freela.
Muito bom! É exatamente assim!
Acho que foi a melhor entrevista até agora. Alexandre, vc é ótimo!! :-) (Edu, vc tb é legal).
Aliás, tenho uma história nada a ver para contar, agora que saí da área de tecnologia e comecei a trabalhar com cultura.
Recebi recentemente o material de divulgação de uma peça. Essa peça foi apresentada em anos anteriores em Brasília – e, no ano passado, o ator que fazia o protagonista era diferente do que está hoje no papel principal.
Vcs acreditam que a assessoria teve a cara de pau de simplesmente photoshopar a foto do ano passado, "apagando" o ator que era o protagonista, inserindo a carinha do novo ator... e eles mandaram a foto pra gente?? Dava para ver que aquilo era uma colagem grosseira, coisa de economia porca mesmo. Onde já sa viu?? Se mudou o elenco tem que mudar a foto por completo, né não?
Abs a todos,
Mari
Mandou muito bem Alê! Qualquer hora vamos marcar um café pra bater um papo. A gente chama o Marcão e o Edu.
Abraço!
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